Birras e desafios? Entenda o que está por trás do comportamento infantil com a parentalidade consciente. Descubra a mensagem oculta e responda com empatia.
Birras e desafios? Entenda o que está por trás do comportamento infantil com a parentalidade consciente. Descubra a mensagem oculta e responda com empatia.
Se há algo que une pais e mães em todo o mundo é, provavelmente, a experiência de enfrentar comportamentos desafiadores nos filhos. As birras explosivas no meio do supermercado, o “não!” rotundo perante um pedido simples, a agressividade inexplicável com o irmão, a recusa em vestir-se ou em ir dormir… Estes momentos, para além de serem profundamente desgastantes e frustrantes, deixam-nos muitas vezes confusos e a questionar: “O que estou a fazer de errado? Porque é que ele/ela faz isto?”. Sentimo-nos impotentes, por vezes zangados, e a nossa primeira reação pode ser tentar parar o comportamento a todo o custo, seja através de repreensões, castigos ou mesmo cedendo ao que a criança quer, só para ter paz. No entanto, a parentalidade consciente convida-nos a dar um passo atrás e a mudar radicalmente a nossa lente. Propõe que, em vez de vermos estes comportamentos apenas como “mau comportamento”, “desobediência” ou “manipulação”, comecemos a encará-los como comunicação. Como uma mensagem, muitas vezes desesperada ou desajeitada, que a criança está a tentar enviar sobre algo que se passa no seu mundo interior. Assim sendo, este artigo é um convite para nos tornarmos uma espécie de “detetives de necessidades”, aprendendo a olhar para além da superfície e a decifrar o que realmente se esconde por trás dos comportamentos infantis desafiadores.
Não é Pessoal: Decifrando o Comportamento Como Comunicação
Uma das analogias mais úteis na parentalidade consciente é a do iceberg. Aquilo que vemos – a birra, o grito, a teimosia, o bater – é apenas a ponta visível do iceberg. Por baixo da linha de água, escondida da nossa vista imediata, está a parte massiva: as emoções intensas que a criança está a sentir (frustração, medo, tristeza, raiva, sobrecarga), as necessidades não atendidas (fome, sono, conexão, autonomia, segurança), as competências que ainda lhe faltam (comunicar verbalmente a sua frustração, regular as suas emoções, controlar impulsos) ou os gatilhos ambientais que a desregularam. É fundamental interiorizar que, na esmagadora maioria das vezes, as crianças não se comportam “mal” de propósito para nos irritar ou manipular. Pelo contrário, elas geralmente querem cooperar e agradar, mas, devido à imaturidade do seu cérebro e à falta de certas competências, simplesmente não conseguem fazê-lo naquele momento específico. O cérebro infantil, particularmente o córtex pré-frontal responsável pelo autocontrolo, planeamento e tomada de decisão racional, ainda está em pleno desenvolvimento. Portanto, esperar que uma criança pequena (ou mesmo um adolescente sob stress) consiga sempre controlar os seus impulsos ou comunicar as suas necessidades de forma calma e articulada é, francamente, irrealista. Mudar a nossa perspetiva de “Ele está a fazer isto contra mim” para “O que é que está a acontecer com ele que o leva a agir assim?” é o primeiro passo transformador. Passamos do julgamento para a curiosidade empática.
“Cérebro de Cima” vs. “Cérebro de Baixo”: Entendendo as Tempestades
Emocionais
Para aprofundar esta compreensão, podemos recorrer a um modelo simplificado do cérebro, popularizado por Dr. Daniel Siegel. Imaginemos o cérebro dividido em duas partes principais: o “cérebro de baixo” (que inclui o tronco cerebral e o sistema límbico) e o “cérebro de cima” (o córtex cerebral, especialmente o pré-frontal). O cérebro de baixo é mais primitivo, responsável pelas funções básicas de sobrevivência, reações instintivas (luta, fuga, congelamento) e emoções intensas como raiva e medo. O cérebro de cima, por sua vez, é responsável pelo pensamento lógico, raciocínio, empatia, autocontrolo, planeamento e regulação emocional. O ponto crucial é que, em crianças e adolescentes, o cérebro de cima ainda está “em obras”, ou seja, as ligações entre o cérebro de baixo e o de cima ainda não estão totalmente desenvolvidas e mielinizadas. Isto significa que, quando uma criança é inundada por uma emoção muito forte (uma grande frustração, um medo intenso, uma raiva avassaladora), o cérebro de baixo assume o controlo, “sequestrando” o cérebro de cima. Nesse estado, a criança perde temporariamente o acesso à sua capacidade de raciocinar, de ouvir a lógica, de controlar os seus impulsos. É por isso que as birras ou meltdowns podem parecer tão irracionais e desproporcionais aos nossos olhos de adulto. Muitas vezes, não são um ato de manipulação deliberada, mas sim uma tempestade neurológica e fisiológica que a criança não consegue controlar sozinha. Tentar argumentar logicamente com uma criança no meio de um meltdown é, frequentemente, tão ineficaz como tentar ter uma conversa racional com alguém durante um ataque de pânico.
Para Além do “Não Quero!”: O Que as Birras Realmente Podem Significar
Então, se o comportamento desafiador é comunicação, que mensagens podem estar escondidas por detrás de uma birra, de um “não” constante, ou de um empurrão no irmão? As possibilidades são vastas, mas podemos agrupá-las em algumas categorias principais de necessidades não atendidas ou fatores desencadeantes:
- Necessidades Fisiológicas Básicas: Muitas vezes, a causa mais simples é também a mais negligenciada. A criança está com fome? Com sono? Com sede? Precisa de ir à casa de banho? Está a sentir-se desconfortável com a roupa, o barulho, ou demasiados estímulos (sobrecarga sensorial)? Estes fatores afetam diretamente o nosso humor e capacidade de regulação, ainda mais numa criança.
- Necessidades Emocionais Fundamentais: A criança pode estar a sentir falta de conexão consigo (precisa de um abraço, de atenção focada)? Estará a sentir-se insegura ou assustada? Precisa de mais autonomia e controlo sobre pequenas coisas na sua vida? Sente-se frustrada por não conseguir fazer algo? Está a lidar com uma transição difícil (chegada de um irmão, mudança de escola)? Precisa de sentir que é vista, ouvida e compreendida nos seus sentimentos?
- Fatores de Desenvolvimento e Competências: A criança pode estar simplesmente a testar limites para compreender as regras do mundo (uma parte normal do desenvolvimento)? Pode estar a tentar dominar uma nova habilidade e a sentir-se frustrada com a dificuldade? Fundamentalmente, pode faltar-lhe a competência específica para lidar com a situação de outra forma – por exemplo, a capacidade de expressar a raiva com palavras em vez de bater, a capacidade de esperar a sua vez, a capacidade de regular a deceção.
Por exemplo, uma criança que bate no irmão quando este lhe tira um brinquedo pode não ser “má” ou “agressiva” por natureza. Pode estar a sentir uma frustração intensa (cérebro de baixo ativo), não ter ainda desenvolvido um controlo de impulsos eficaz (cérebro de cima imaturo) e não saber como comunicar verbalmente “Fiquei zangado porque queria brincar com isso agora!”. Compreender estas camadas ajuda-nos a responder de forma mais eficaz e compassiva.
Calçar os Sapatos da Criança: O Poder da Empatia na Prática
Perante este quadro, a parentalidade consciente propõe uma ferramenta poderosa: a empatia. Empatia aqui não significa sentir pena ou concordar com o comportamento, mas sim fazer um esforço genuíno para tentar ver o mundo através dos olhos da criança naquele momento específico. Significa pausar a nossa própria reatividade (lembra-se do botão de pausa do artigo anterior?) e perguntarmo-nos: “Como será que isto está a ser para ele/ela? O que estará ele/ela a sentir? Que necessidade poderá estar por trás desta ação?”. Calçar os sapatos da criança, ainda que metaforicamente, permite-nos conectar com a sua experiência interna e responder de uma forma que vá ao encontro da sua necessidade subjacente, em vez de reagir apenas ao comportamento superficial. Por exemplo, perante uma criança que chora desalmadamente porque não pode comer mais um gelado, em vez de reagir com irritação (“Já chega de choro por causa de um gelado!”), podemos tentar empatizar: “Imagino que estejas mesmo triste e frustrado/a por não poderes comer outro gelado agora. Estava mesmo bom, não estava? É difícil quando queremos muito uma coisa e não podemos ter.” Esta simples mudança de perspetiva, de julgamento para compreensão empática, pode fazer toda a diferença na forma como lidamos com a situação e na mensagem que passamos à criança sobre os seus sentimentos.
Conectar Antes de Corrigir: Construindo a Ponte da Confiança
Decorrente da empatia, surge um princípio fundamental da disciplina positiva e da parentalidade consciente: Conectar Antes de Corrigir (ou Redirecionar). Isto significa que, antes de tentarmos impor um limite, ensinar uma regra ou corrigir um comportamento, precisamos primeiro de estabelecer uma conexão emocional com a criança. Porquê? Porque, como vimos, quando a criança está no meio de uma tempestade emocional (cérebro de baixo no comando), ela não consegue ouvir a razão nem aprender. A conexão – através da validação dos seus sentimentos, de um abraço (se ela aceitar), de um tom de voz calmo e empático, ou simplesmente da nossa presença silenciosa e acolhedora – ajuda a acalmar o seu sistema nervoso. Funciona como uma âncora que a traz de volta a um estado de maior equilíbrio, onde o seu cérebro de cima pode voltar a funcionar. Só então, quando a criança se sente vista, ouvida e segura na conexão connosco, é que ela estará recetiva a ouvir o limite, a compreender a regra ou a aprender uma forma diferente de agir. Tentar corrigir ou dar sermões durante a explosão emocional é como gritar contra o vento – ineficaz e, frequentemente, contraproducente. Primeiro, construímos a ponte da confiança através da conexão; depois, atravessamos a ponte para ensinar ou guiar. Exemplos de frases de conexão: “Vejo que estás muito zangado/a.”, “Estou aqui contigo.”, “Imagino que isso seja difícil para ti.”, “Queres um abraço?”.
Limites com Amor e Firmeza: A Dança do Respeito Mútuo
É crucial sublinhar que entender a mensagem por trás do comportamento e responder com empatia não significa ser permissivo ou deixar a criança fazer tudo o que quer. Pelo contrário, os limites são absolutamente essenciais para o desenvolvimento saudável da criança. Eles proporcionam segurança, previsibilidade e ensinam competências sociais importantes. A diferença na abordagem da parentalidade consciente reside na forma como esses limites são estabelecidos e mantidos: com respeito mútuo, firmeza e gentileza. Em vez de recorrer a ameaças, castigos ou humilhações, focamo-nos em comunicar os limites de forma clara e calma, explicando as razões por detrás deles (de forma adequada à idade) e validando os sentimentos que a criança possa ter em relação a esse limite. Por exemplo: “Eu sei que queres continuar a brincar [validação], mas agora é hora de começar a arrumar para o jantar [limite claro]. Podes escolher arrumar primeiro os legos ou os carros [oferecer escolha limitada]”. Mantemos o limite com consistência, mas fazemo-lo de forma respeitosa. Além disso, focamo-nos em ensinar à criança o que fazer em vez de apenas focar no que não fazer. Se a criança bate, em vez de apenas dizer “Não batas!”, podemos conectar (“Vejo que estás zangado!”) e depois ensinar (“Não podemos bater. Podes bater nesta almofada ou dizer com palavras ‘Estou zangado!'”). É uma dança constante entre validar a emoção, manter o limite com firmeza e ensinar competências alternativas.
Co-Regulação: Ser o Porto Seguro na Tempestade Emocional
Finalmente, uma das nossas funções mais importantes enquanto pais, especialmente quando as crianças são pequenas ou estão a passar por momentos difíceis, é a de co-reguladores emocionais. Isto significa que, como o cérebro da criança ainda não consegue gerir totalmente as emoções intensas sozinho, nós “emprestamos” a nossa calma e o nosso sistema nervoso mais maduro para a ajudar a voltar ao equilíbrio. Ser o porto seguro na tempestade. Na prática, isto envolve, acima de tudo, tentarmos manter a nossa própria calma (ou, pelo menos, agirmos de forma calma externamente, mesmo que por dentro estejamos a sentir a frustração). A nossa calma tem um efeito contagiante e ajuda a acalmar o sistema nervoso da criança. Para além disso, envolve validar os seus sentimentos (“Vejo como estás frustrado/a!”), oferecer conforto físico (um abraço, colo, mão no ombro – se a criança o aceitar naquele momento), usar um tom de voz suave e baixo, e, por vezes, simplesmente estar presente em silêncio, mostrando que ela não está sozinha na sua “tempestade”. Podemos até respirar fundo com ela. Através destas experiências repetidas de co-regulação, em que a criança sente a nossa presença calma e segura a ajudá-la a atravessar emoções difíceis, ela vai, gradualmente, internalizando essa capacidade e aprendendo a auto-regular-se ao longo do tempo. Nós somos o andaime que a ajuda a construir a sua própria casa da regulação emocional.
Em suma, olhar para além da birra e dos comportamentos infantis desafiadores, procurando entender a comunicação e as necessidades subjacentes, é uma das mudanças de paradigma mais poderosas que podemos fazer na nossa jornada parental. Requer, sem dúvida, paciência, prática e uma vontade genuína de ver o mundo através dos olhos da criança. No entanto, ao substituirmos o julgamento pela curiosidade, a reação pela resposta empática e a correção imediata pela conexão prévia, não estamos apenas a “gerir” melhor os comportamentos difíceis. Estamos, fundamentalmente, a fortalecer o nosso apego seguro, a nutrir a inteligência emocional infantil dos nossos filhos, a ensinar-lhes competências cruciais para a vida e a construir uma relação baseada na confiança e no respeito mútuo. Lembre-se: por detrás de cada comportamento desafiador, há uma criança a tentar comunicar algo importante. Ser o “detetive de necessidades” que decifra essa mensagem é a chave para responder de forma verdadeiramente eficaz, compassiva e transformadora.
Referências consultadas:
DELAHOOKE, Mona. Beyond behaviors: using brain science and compassion to understand and solve children’s behavioral challenges. Eau Claire:
FABER, Adele; MAZLISH, Elaine. Como falar para as crianças ouvirem e ouvir para as crianças falarem. Tradução de Aníbal Fernandes. Lisboa: Guerra e Paz, 2018.
KOHN, Alfie. Unconditional parenting: moving from rewards and punishments to love and reason. New York: Atria Books, 2005.
MARKHAM, Laura. Pais calmos, filhos felizes: a fórmula simples para criar crianças mais autónomas e seguras. Tradução de Ana Saldanha. Alfragide: Nascente, 2018.
NELSEN, Jane. Disciplina positiva: o guia clássico para pais e professores ajudarem as crianças a desenvolver autodisciplina, responsabilidade, cooperação e habilidades para resolver problemas. 3. ed. Tradução de Cecília Furquim. Barueri: Manole, 2015.
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Tradução
SIEGEL, Daniel J.; BRYSON, Tina Payne. O cérebro da criança: 12 estratégias revolucionárias para nutrir a mente em desenvolvimento do
SIEGEL, Daniel J.; BRYSON, Tina Payne. Disciplina sem drama: estratégias que acalmam o caos e integram o cérebro em desenvolvimento do seu filho. Tradução de Rita Consciência. Alfragide: Lua de Papel, 2017.
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